Agora que o pior acontecera, eu deixava de ter de continuar a viver no medo de ver o pior acontecer. É assim que a razão, abalada, formula a sua lógica ferida. (John Banville, Eclipse)

 

27 julho 2006

O diário do Padre Fairing

Thomas Pynchon - V.Segundo uma nota de 23 de Novembro de 1934 (relembrar aqui), conclui-se que o Padre Fairing aprendeu a falar com as ratazanas, atribuindo-lhes nomes de santos, constituindo-se como a primeira fase de conversão das ratazanas à fé Católica (pág. 122):

«Ignatius está a revelar-se um estudante difícil. Discutiu hoje comigo a natureza das indulgências. Bartolomeu e Teresa apoiavam-no. Li-lhes um passo do catecismo: “A Igreja, por meio de indulgências, redime o castigo temporal do pecado, aplicando-nos, do seu tesouro espiritual, parte da infinita satisfação de Jesus Cristo e das superabundantes satisfações da Santíssima Virgem e dos santos”.
– E quais são – quis saber Ignatius – essas superabundantes satisfações?
Li de novo: “Aquilo que ganharam durante a vida mas não precisam e que a igreja [sic] aplica aos seus membros na comunhão dos santos.”
– Ah, ah – grasnou Ignatius. – Então, não percebo em que é que isso se distingue do comunismo marxista, que, em sua opinião, é ateu. A cada um segundo as suas necessidades, de cada um segundo as suas capacidades.
Tentei explicar que havia diferentes tipos de comunismo: que a Igreja primitiva, efectivamente, se baseava na caridade comum e na comunhão dos bens. Bartolomeu interveio com a observação de que talvez essa doutrina de tesouro espiritual resultasse das condições económicas e sociais da Igreja na sua infância. Teresa imediatamente acusou Bartolomeu de defender ideias marxistas, e rebentou uma briga terrível, na qual a pobre Teresa ficou sem um olho. Para poupá-la a mais dores, adormeci-a e preparei com os seus restos mortais uma deliciosa refeição, pouco depois das sextas [sic]. Descobri que os rabos, se os deixarmos cozer o tempo suficiente, são bastante agradáveis.»


Thomas Pynchon, V., Editorial Notícias, 1.ª edição, Fevereiro de 2000, 477 pp. [Tradução de Salvato Telles de Menezes] (V., 1963).

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